Véspera, de Carla Madeira (2021)

Marcela Antonechen
4 min readJun 19, 2022

--

Véspera, de Carla Madeira pela editora Record.

Em 2021, não houve outro livro brasileiro que fosse mais comentado que “Tudo é Rio”, de Carla Madeira. Ocupando uma posição de destaque tanto nas indicações de leituras nos canais literários do YouTube, quanto na lista de vendas da Amazon, Carla Madeira tornou-se um fenômeno. É comum ver as inúmeras resenhas positivas e elogios à Carla — que ocupa de fato um espaço de respeito.

Sabendo do sucesso de tal viral, decidi pela obra mais recente de Carla, publicada em 2021. O pequeno livro, com 297 páginas, narra um drama familiar fadado à mais pura desgraça. Véspera é um livro pesado e triste, com um ritmo narrativo cativante, mas angustiante. Considerando a experiência não seja acessível a todos, aqui está uma pequena resenha.

A história começa com Vedina, uma mulher que se encontra em um casamento infeliz e com a responsabilidade de cuidar, quase sozinha, de um filho de cinco anos. Em um momento de encarar seu abismo, Vedina acaba por abandonar Augusto, seu filho, em uma avenida de mão única.

Em complemento, a outra parte da história traz o passado, narrando o nascer, crescer e amadurecer dos gêmeos Caim e Abel, amarrados ao futuro de Augusto. Portanto, o livro divide seus capítulos, misturando o passado dos homens — Abel, pai de Augusto, Caim, seu tio, e o presente de sua mãe Vedina e a busca desesperada pelo filho.

O ritmo narrativa de Carla Madeira é interessante e viciante. Essa mistura de frases de impacto com descrições na medida certa. Há espaço tanto para o leitor junto do escritor construir cenários e personagens, quanto a própria construção, aquela que vem da nossa interpretação. No começo do livro, a inserção de frases de efeito me deixou espantada, tamanha tranquilidade que a escritora mescla os estilos. Contudo, essa experiência não durou muito.

Infelizmente, o estilo funciona em textos mais contidos. Depois de um certo ponto da história, passou a ser redundante. Um exemplo bom é que a história fica por muito tempo preso na primeira infância dos gêmeos, dando detalhes e efeitos às situações que talvez, na conclusão do livro, não sejam tão necessárias lá na frente. Essas passagens, apesar de maçantes, possuem as conversas que Custódia, mãe dos gêmeos, tem com um padre — sendo ele um dos personagens mais legais da trama, possuindo sua importância na parte de reflexão. No entanto, essa primeira infância se arrasta e acaba atrapalhando o fluxo da adolescência, que poderia ser melhor construído.

Quando chegamos ao começo do fim e, onde se espera a queda brusca na desgraça das duas personagens femininas importantes, Vedina e Veneza, são jogadas ao canto. Entenda: ambas personagens são importantes e, devido a um caso trágico, são vítimas de violências e de evento traumatizante. Era importante que a essa altura da história, Veneza tivesse mais voz ativa, assim como Vedina. Comparando, agora para essa resenha, considero ainda que Veneza teve mais voz que Vedina.

Esse talvez seja o ponto negativo que mais me frustrou com a experiência. Vedina é mãe de Augusto e a personagem que, em frente a uma desilusão e ruptura com sua vida, comete tamanho ato: abandonar seu filho. Tratar a mulher que em capítulos inteiros sofre com sua decisão, era necessário também a permitir crescer e não ser somente uma pessoa de fundo na história de Abel. É possível acompanhar Vedina gradualmente se perdendo cada vez mais no arrependimento, na dor. Porém, não é possível conhecer Vedina no momento mais impactante e revoltante de seu envolvimento com a família de Caim e Abel.

Novamente, infelizmente, a narração não permite que Vedina seja construída no momento que era para ser. Isso também ocorre com Veneza. Ambas são jogadas ao lado para ter lugar um texto de impacto, inserido com o propósito de florear uma história triste. Importante um adendo aqui: não crítico como Carla conta o desfecho da história, mas sim como insere Vedina e Veneza, e principalmente, como as trata.

Outro comentário que me prezo a fazer com certeza é referente à violência que elas sofrem. Entendo que foi a vontade de escritora ser retratado daquela forma, omissivo, mas pontual. De fato, o desfecho do livro, faltando poucos capítulos vem como uma avalanche no leitor. O problema não é a violência gráfica ou os detalhes que fazem o leitor consumir no ódio por um personagem repulsivo, mas sim a falta de empatia que podemos ter com a Vedina jovem — conforme mencionei logo acima.

Na conclusão, o último capítulo, Carla insere um capítulo espetacular que salvou pelo menos 30% do livro. Nele, uma carta de um narrador sem gênero, sem face, sem nome, conta sobre Augusto e o desfecho da história. E nesse momento, ao finalizar o último capítulo, ali me conquistou.

Concluindo a leitura, posso afirmar: Véspera é um livro cru e, ao mesmo tempo, permite um certo floreio na sua narrativa. Alguns momentos, essa escrita pomposa e digna de fotos nos stories do Instagram, atrapalha o desenvolvimento; em outras, permite que a história tome um rumo interessante. Mesmo com os defeitos e a falta de desenvolvimento em alguns pontos, é um livro interessante para quem gosta de tragédia.

Nota: 3,5/5

--

--

Marcela Antonechen

Bacharel em Direito, barista de final de semana. Escrevo memórias, a vida e um pouco de leituras.