Uma igreja e um aquário

Marcela Antonechen
2 min readApr 25, 2022

--

Há uma igreja dentro da minha cabeça. Cada balada do sino, verbera em todas as células do meu corpo, fazendo minhas fibras puxarem, empurrarem e se rebelarem contra sua própria natureza.

Estou deitada na minha cama, meu quarto antes espaço, tornou-se um aquário. Estou mergulhada nesse aquário com a igreja anunciado, é meio-dia. São doze badaladas dentro do meu estomago, subindo rapidamente a minha cabeça. A água do aquário invade meus pulmões, sem pedir permissão.

Estou presa em minha própria cama e cabeça. Estou mergulhada em um aquário enquanto uma parte da minha cabeça — o lado esquerdo, mata-me lentamente. Esse lado esquerdo se diverte, ele gosta de me ouvir reclamando. Talvez seja o lado que me odeia, e faz odiar o restante do meu corpo. Talvez seja um lado que não abraço, que finjo não existir.

O mundo ficou grande demais e, ao mesmo tempo, pequeno. Às vezes, os móveis me engolem rapidamente, sou jogada no fundo da caverna criada por mim mesma. Às vezes o meu redor diminui, ao ponto que se impossibilita enxergar. Minha visão falha, mistura informações.

Agarro-me ao pouco que resta, à igreja que está quieta, ao aquário da minha cama. Fecho os olhos, evito a luz brilhante demais. Nesses dias, o sol parece me perseguir. Cada freixo de luz, cada reflexo é uma bala direta e seca, no meu cérebro.

Faço um pequeno abrigo de cobertores e travesseiros. Afasto os pensamentos, a dor. O banho quente traz a oxigenação, uma dica que o médico me passou. O banho quente também é um método de lidar com os problemas, algo que usei sempre quando a tristeza e ela vem passear. Uma vez, Sylvia Plath escreveu uma reflexão sobre o banho quente. Foi uma, das inúmeras passagens que fizeram a Redoma de Vidro se tornar um dos meus favoritos. Talvez gosto dessa passagem devido aos inúmeros banhos quentes que tomo.

Tomei um naquele dia infeliz de junho, tomei outro nesse ano. Sentei-me embaixo do chuveiro escaldante e deixei que cada queda d’água fosse uma limpeza no fundo da minha alma.

Esfreguei minha pele, lavei meus pecados.

Estou de volta do banheiro com remédios nas mãos. Estou, de novo, tomando inúmeros deles, fechando a janela, mergulhando no abrigo no fundo do aquário. Aguardo que a igreja seja destruída, que as cores voltem ao normal e que o sol esqueça da minha existência.

ps: texto escrito para uma oficina de escrita da semana que vem, só queria transformar minha enxaqueca em uma personagem. No final, não deu certo, ela é uma igreja.

--

--

Marcela Antonechen

Bacharel em Direito, barista de final de semana. Escrevo memórias, a vida e um pouco de leituras.