Resenha — O Morro dos Ventos Uivantes — Emily Brontë (1847)

Marcela Antonechen
3 min readDec 3, 2020

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O Morro dos Ventos Uivantes me foi recomendado a primeira vez, no começo desse ano, como um romance “água com açúcar”. Mas, O Morro dos Ventos Uivantes não é apenas um romance, e sim o romance surpreendente e um dos meus livros favoritos da vida.

A virtude que considero como primordial no ser humano é a narrativa escolhida aqui. Sim, a vontade de saber uma fofoca de um passado não tão distante sobre os residentes com mais notoriedade do local, é a forma como o Sr. Lockwood se informa e narra aos leitores os acontecimentos.

Narrada como uma história de criança, a governanta Nelly conta sobre os moradores, sobre as duas residências e a relação conflitante envolvendo um amor além da vida. Em linhas gerais, é assim que gosto de resumir o livro: sem explicar de protagonistas ou eventos, mas sim que a história seja destrinchada na sua imaginação, como um quebra-cabeça, pedaço por pedaço.

E quando menciono o amor contido no livro, devo avisar: aqui não há a visão bonita, mas sim a obsessão doentia e a necessidade de domínio. Isto porque o casal principal passa por situações de provações, porém, diferente daqueles romances onde nenhum dos dois muda ou sofre consequências, os personagens mudam. E principalmente, modifica-se o sentimento com o passar e o pesar de escolhas, diálogos e eventos dramáticos. É sobre isso quando digo que o Morro é um livro romântico, e é romântico a sua maneira (nua e crua, doentia e perturbadora).

Entretanto, não é a construção dos personagens e o desenrolar da trama que faz esse clássico. O Morro dos Ventos Uivantes é um livro violento, com cenas angustiantes, com momentos que geram revolta. Rerata o casamento por privilégios e de modo social da maneira mais pura. Sendo um casamento de necessidade, arranjado. A obra não poupa o leitor ao mostrar que o casamento é de fato um dever e não movido pelo amor inocente. Neste mesmo sentido, o livro também retrata a violência como é de fato — e o mais incrível, sendo escrito por uma mulher na época vitoriana.

O Morro dos Ventos Uivantes é um livro cru e nu. Não utiliza de artifícios ou dá colheres de chá ao retratar momentos necessários. O livro é tão bem-planejado que não existe um momento ruim, porque as cenas fazem parte de algo maior, e assim sucedem até formar o enredo principal do enredo.

A sucessão de eventos é tomada de tal maneira que ao final o leitor pode perguntar-se: onde raios as pessoas encontram o amor nessa obra?

E aqui respondo: o amor de Morro dos Ventos Uivantes nasce como uma necessidade de demonstrar a outra face do amor e não somente concentrar-se nas modificações e na perseverança do sentimento. A mudança do personagem mais asqueroso que temos é feita ao final. Será no último capítulo, ao perceber que após sua vingança não sobrou nada além do vazio na alma. Sem amor e muito menos sem ódio. Apenas o vazio de um existência dedicada à vingança e que o faz perder o sentido, por fim.

O Morro dos Ventos Uivantes é muito além de um mero romance romântico. É uma obra que passeia entre os diversos temas, dilemas e principalmente sobre o comportamento humano acerca daquele amor que não é real (o amor que divide a alma, que faz Heathcliff e Cathy serem da mesma composição em sua alma). Por isso que quando as críticas acerca do casal recorrem a falar como é “tóxico um relacionamento desses” não percebe que foi o objetivo; demonstrar como o amor, às vezes tão lindo, pode tornar-se doentio ao ponto de causar o desgosto, a morte e cicatrizes em inocentes.

Nota: 5/5 (Favorito, certeza).

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Marcela Antonechen

Bacharel em Direito, barista de final de semana. Escrevo memórias, a vida e um pouco de leituras.