Resenha — A História Secreta de Donna Tartt (1992)

Marcela Antonechen
5 min readNov 10, 2020

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A História Secreta, no caso, a capinha no meu Kindle.

Se Shonda Rhimes conhecesse Donna Tratt, formariam o dream team da Netflix. Afinal, o primeiro livro de Donna Tratt possuiu os elementos pilares dos roteiros da Shonda: jovens, drogas, sexo, segredos e, o que nunca pode faltar: um assassinato.

Brincadeiras de lado, A História Secreta foi o primeiro livro publicado por Donna Tartt em 1992. Apesar de toda minha bagagem literária na adolescência recheada de livros do mesmo gênero, confesso que foi uma surpresa ao ler.

A história começa com o simples despejo no colo do leitor de um assassinato, narrando quem foi morto e quem o matou. Portanto, quando digo que spoiler desse livro não se encontra no mistério da morte, mas sim no seu contexto, é algo certo.

Os capítulos seguintes são narrados em primeira pessoa pelo protagonista Richard, um jovem recém chego à faculdade elite de Ciências Humanas. O cenário da faculdade, particularmente, me lembrou por demais o cenário de Crepúsculo.

Chega a ser cômico pensar que os cinco jovens de A História Secreta podiam facilmente ser parte dos Cullens. E será esses jovens pálidos com cara de enfastiado que formam o núcleo central do protagonista Richard. Assim o jovem de classe média sem grandes méritos se torna amigo do recluso grupo de jovens ricos de elite que cursam Grego com um professor, no mínimo, bizarro. E no futuro esses amigos junto dele serão cúmplices no temido e prometido assassinato.

Dividido em dois livros, minha análise será feita da mesma forma. Por isso, lá vamos nós:

Livro I

Serve como uma parte boa de introdução, cumpre bem esse papel. Contudo, a escrita é truncada e não acredito que seja bem explorada. Isso porque os detalhes de cenários que a Tartt usa servem como uma forma de inserir em um mood no leitor, mas não são importantes para a história. O grande apelo nesse momento será o artifício manjado, ou seja, a promessa daquele futuro assassinato, enquanto te enrolam por páginas a fio. Páginas e mais páginas lotadas de detalhes inúteis e com diálogos piores. O uso constante de conversas sem motivo — aquelas de “Oi, tudo bem?”, são comuns nessa parte.

Porém, apesar de todas ressalvas quanto as conversas sem necessidade, confesso: a descrição de personagens oferecidas nessa parte é simplesmente incrível. Nenhum deles é entregue de cara, mas sim construído, conforme o protagonista os conhece. Nisso a escritora é genial: os cenários com personagens e quando ocorrem diálogos necessários são quase palpáveis.

Há passagens lentas e que parecem nunca ter fim. O final do Livro I me tirou o sono, foi incrível, e a forma como abre o Livro II, foi uma jogada de mestre. Se Donna Tratt errou com diálogos bobos e descrições bestas de coisas que não importam a história; acertou o timming do plot twist como veremos a seguir.

Livro II

O Livro II trata do tema central: o assassinato e suas consequências.

Não há crime sem castigo. E literalmente o livro referir-se a Crime e Castigo de Fiódor Dostoiévski junto a outras obras como as tragédias gregas e a Literatura Clássica. Se tem algo que gosto é da referência aos clássicos literários que são explorados de fato e não meramente mencionados. A História Secreta faz exatamente isso: é dito, explorado, comparado. É uma boa forma de introduzir esses livros ditos como “eruditos” a quem está lendo quando jovem e acredita ser inacessível.

Já que estou comentando: as consequências do livro nesta parte não ocorrem de forma instantânea. Longe de ser uma reclamação, na verdade, é um elogio. São raros livros atuais que conseguem construir de pouco em pouco o final e mostrar que toda ação tem sua recompensa. A imagem dos personagens é construída, e, em simultâneo, desconstruída conforme se quebra a expectativa do leitor.

É na segunda parte também que você começa a criar dúvidas sobre aquele narrador, aliás, é uma visão unilateral, como julgar a verdade aqui?

Ocorre, por fim, a exposição dos segredos da trama mencionados no seu começo de maneira subliminar. De fato, alguns segredos são previsíveis. Outros, um em especial encontrado no último capítulo, cria a verdadeira dúvida: será que Bunny é mesmo aquele monstro pintado ou Richard nos enganou?

Ainda que narrado por alguém não confiável e com uma visão unilateral dos eventos, o leitor consegue criar sua opinião sobre personagens, sobre eventos.

O fato dos segredos não são jogados no colo do leitor, tampouco trazido de forma rasa. E foi por isso que desde sábado até segunda de noite não larguei nenhum momento o livro. Foi uma longa caminhada, alternado entre estudo da faculdade e o bendito livro.

O ponto negativo que mais me incomodou com certeza é a infantilização dos personagens. Descritos terem entre dezenove e vinte e quatro anos, a maior parte age como adolescentes de dezesseis anos: mimados e chatos.

Na primeira parte esqueci completamente o fato do Richard ter mais dezesseis anos. É tanto drama por algo que deveria ser o normal da vida — qual é, depois dos dezessete é normal superar um pouco o “meus pais não me entendem, unhé”. Por favor, ele parece apenas um adolescente mimado e não alguém que já cursou medicina, largou e foi para outro estado estudar. Entendo a necessidade de um pouco de drama, porém, é tão exagerado, torna-o forçado demais.

Em resumo: A História Secreta é um livro bom, bem mediano. Não é tão incrível, mas é um bom livro para quem gosta de suspense ou quer iniciar no gênero. Dá para seguir um ritmo bom em algumas partes fluídas e ficar preso nos monólogos sem destino de outras. O final dele é de longe um dos melhores que li em tempos — melhor mil vezes que muito livro hype e sem graça por aí.

Se for para resumir em uma frase: A História Secreta é um quebra-cabeça, pode ser que em momentos você odeie as peças, mas quando olhar a figura ao todo, é um sentimento bom e divertido.

Nota: 3,5/5. Leitura: novembro de 2020.

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Marcela Antonechen

Bacharel em Direito, barista de final de semana. Escrevo memórias, a vida e um pouco de leituras.